Estudo canadense contradiz a crença popular de que quem come carne é mais forte. Bruna Genaro
Que a dieta vegetariana faz bem à saúde todo mundo sabe. Agora, que a alimentação livre de derivados animais traz maior desempenho físico, pode ser uma novidade para você. É isso que mostra um estudo da Universidade de Quebec, no Canadá. Aliás, o estudo vem para desmistificar a ideia de que quem come carne seja mais forte ou resistente. A pesquisa prova exatamente o contrário.
O estudo intitulado “Uma dieta vegana prejudica a resistência e a força muscular?”, publicado em abril deste ano no European Journal of Clinical Nutrition, constatou que mulheres vegetarianas estritas há mais de dois anos apresentam melhor desempenho físico e resistência em atividades aeróbicas do que mulheres que comeram carne a vida toda.
“Na verdade, mulheres que adotam uma alimentação vegetariana estão tirando sua energia vital da fonte primária repleta de substâncias antioxidantes e cheias de propriedades nutricionais verdadeiras, enquanto as onívoras obtêm essa substância secundariamente, de fontes que já não contam com tanto potencial ativo. A carne por ser um ‘alimento’ estimulante, cansa o organismo, causando assim doenças e estresse metabólico por ser um elemento altamente inflamatório”, destaca Cleonice Pereira, nutricionista vegetariana.
O estudo avaliou 56 mulheres saudáveis, jovens, magras e fisicamente ativas. Por dois anos essas mulheres foram analisadas. Metade do grupo seguiu uma dieta sem nenhum derivado animal (vegetariana estrita) e a outra metade a dieta onívora, em que comiam carne pelo menos três vezes por semana.
“Um exemplo seria uma mulher que precisa consumir 1.500 kcal por dia. Se ela come uma porção de carne e duas de laticínios, já consumiu 500 kcal de alimentos de baixo teor antioxidante. Sendo assim, ela está comprometendo um terço da dieta dela com alimentos de baixo teor antioxidante. Isso significa bastante, principalmente para quem é atleta. Se esses alimentos fossem substituídos por vegetais, ela aumentaria de forma substancial a quantidade de antioxidantes. Alimentos antioxidantes têm efeito na prevenção de várias doenças (cardiovasculares, diabetes, vários tipos de câncer), além de serem muito bons frente ao estresse que a atividade física causa no corpo”, diz o médico nutrólogo, mestre e doutor pela Unifesp Eric Slywitch.
Durante o período do estudo, os dois grupos passaram por provas de resistência física, como pedalar até a exaustão. Apesar de o grupo das vegetarianas ter um pouco mais de idade que o das onívoras, as vegetarianas conseguiam pedalar por mais tempo até ficarem exaustas. Isso mostra maior resistência aeróbica nas vegetarianas.
“Se a qualidade da proteína da dieta vegana pode ser equivalente à da dieta onívora, e o consumo de carnes, leite e seus derivados pode ser altamente inflamatório ao organismo, pode-se pensar que a lógica desse estudo faça muito sentido, porque indivíduos não inflamados terão naturalmente mais resistência física e mesma produção proteica que os onívoros”, reflete a nutricionista Michelle Boscato.
Menos gordura e mais carboidratos
A pesquisa canadense também apontou que essa desvantagem das onívoras pode estar ligada ao menor consumo de carboidratos e maior consumo de gorduras (provenientes da carne). Já as vegetarianas acabaram tendo alto consumo de carboidratos e baixo consumo de gorduras. “Essa explicação é totalmente aceitável, pois os carboidratos são nossa principal fonte de energia. A maioria dos alimentos com baixo teor de carboidratos e alta carga de proteínas vem de animais. Já a alimentação vegetariana é composta de alimentos que possuem maior quantidade de carboidratos proveniente dos vegetais, que, inclusive, oferecem mais qualidade nutricional”, explica a nutricionista clínica integrativa Daniele Scarpa. “É uma possibilidade, porque a dieta vegetariana tem um perfil melhor de carboidratos que a onívora, rica em proteína e gordura, principalmente a saturada, e baixíssima em carboidratos. Já é um consenso na literatura científica que o carboidrato é muito importante para o desempenho físico. Então, se a mulher faz uma atividade física e não faz reposição adequada de carboidrato, automaticamente ela estará mais despreparada para o próximo treino”, acrescenta Slywitch.
No entanto, isso não dá o direito de a vegetariana substituir a carne por apenas carboidratos; a troca tem que ser feita de maneira correta e nutricionalmente adequada. “Os que se abstêm de produtos de origem animal, mas consomem carboidratos como a base de sua alimentação, eu classifico como ‘carborianos’ e não vegetarianos; os verdadeiros vegetarianos preferem consumir grande quantidade e variedade de vegetais priorizando os crus, e esses alimentos proporcionam fitoenergéticos que fornecem energia vitalizante; já os onívoros têm uma redução significativa dessas substâncias por não terem a mesma escolha alimentar. Os onívoros consideram que a carne animal seja um alimento completo, porém deixa o organismo com déficit dos melhores substratos, o que prejudica o desempenho físico, sobretudo a resistência a esforços prolongados e intensos”, assinala Cleonice Pereira.
Mais magros
Uma pesquisa recente feita pelo Instituto Max Planck de Ciências Cognitivas e do Cérebro Humano, da Alemanha, mostrou que o índice de gordura corporal está diretamente ligado à quantidade de alimentos de origem animal consumida diariamente. Além disso, o estudo que avaliou nove mil pessoas concluiu que os vegetarianos costumam consumir menos produtos processados e industrializados.
“A principal razão é o fato de a alimentação vegetariana ter por base alimentos in natura e minimamente processados, ou seja, que passam por nenhum ou pouco processamento. São incluídos nesses grupos vegetais, frutas, hortaliças, raízes, tubérculos, leguminosas e grãos. Sendo assim, não há consumo de alimentos processados e que possuem maior densidade calórica, como embutidos e processados (bacon, presunto, hambúrguer, nuggets, etc.), que contribuem para o sobrepeso. Além disso, em uma dieta a base de plantas, a ingestão de fibras é maior, contribuindo para o bom funcionamento intestinal, ponto-chave para a manutenção do peso corporal”, explica Daniele Scarpa. “O motivo pode ser a maior consciência alimentar, de comer o que é realmente necessário. Porém o mais provável seja que o reino vegetal tem maior volume com menos densidade calórica, ou seja, você faz um prato enorme, ele lhe traz menos calorias, então você pode comer em volume e não colocar tanta caloria para dentro do corpo”, acrescenta Slywitch.
No entanto, Boscato chama a atenção para o caso dos “trash vegan”, vegetarianos que se alimentam de alimentos ultraprocessados; carboidrato refinado como farinhas, refrigerante, doces, suco de caixa; alimentos gordurosos como frituras, batata frita e salgadinhos. “Não acredito que o fato de serem mais magros ou não do que os onívoros seja por conta de ingerir produtos de origem animal. Porque se for um trash vegan, provavelmente poderá ganhar mais peso que um onívoro que se propõe a fazer as refeições com mais qualidade. Os vegetarianos que decidem seguir um estilo de vida mais saudável, não se deixando levar por radicalismos alimentares e comendo diariamente de forma equilibrada, com ingestão adequada de fibras, vegetais, carboidrato, proteína e gorduras de boa qualidade, podem, sim, ser magros e saudáveis”, pontua.
Ganho para o coração
Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins e de Harvard chegaram à conclusão de que uma dieta com base em frutas e vegetais pode diminuir os riscos de lesões cardiovasculares em adultos sem doenças cardíacas prévias. A pesquisa observou que em apenas oito semanas (tempo relativamente curto) consumindo frutas e vegetais, os participantes do estudo apresentaram menores níveis dos biomarcadores usados para medir doenças cardíacas. Com a dieta vegetariana, o grupo teve diminuição nos níveis de colesterol, redução da pressão arterial e manteve o peso constante.
“A carne animal tem gorduras saturadas que podem aumentar o colesterol LDL, conhecido como ‘mau colesterol’; elas são responsáveis pelas placas de ateroma que, consequentemente, causam ou agravam problemas no coração, ocasionando cardiopatias e outras doenças crônicas. Nesse caso, a exclusão desse ‘alimento’ poupará o organismo dessa gordura ruim e ajudará nossa tão importante bomba cardíaca”, diz Pereira. “Ao retirar da dieta as carnes, o colesterol baixa em 14%. Quando você tira os laticínios da dieta, essa diminuição é de 35%, o que equivale ao uso de um remédio para baixar o colesterol. Ao aderir à dieta vegetariana estrita, você proporcionará uma alteração monomedicamentosa, como se usasse um remédio para o tratamento”, compara Slywitch.
Slywitch alerta sobre uma substância nova que vem sendo estudada recentemente: “O que é mais novo na literatura em termos de evidência, que é muito assustador, é que os ovos e os laticínios (ovos principalmente) aumentam muito a quantidade de uma substância chamada TMAO, que eleva significativamente o risco cardiovascular. Os vegetarianos estritos praticamente não produzem essa substância. Esse elemento tem sido cada vez mais estudado e apontado como fator muito importante de prevenção cardiovascular. Os onívoros são os que têm maior quantidade dessa substância no sangue.”
Mudança de estilo de vida
Nívea Rando, estudante de nutrição, hoje com 45 anos, sentiu na pele a mudança no estilo de vida ao se tornar vegetariana: “Eu realmente só vi benefícios ao adotar um estilo de vida vegetariano: meu cabelo parou de cair, minhas unhas ficaram mais fortes, minha pele mais lisinha, e nem se compara meu nível de disposição física, que foi lá nas alturas. Eu vinha de dietas low carb e cetogênicas; dietas que ‘demonizam’ os carboidratos. Com minha mudança no estilo de vida e com os estudos, vi que o carboidrato não é vilão como alguns dizem; muito pelo contrário, precisamos dele para a construção de massa muscular e glicogênio. Antes de me tornar vegetariana eu não conseguia correr um quilômetro. Depois da mudança no estilo de vida e sem medo de bons carboidratos, passei a correr cinco quilômetros sem lesões e sem fadiga.”
O processo de se tornar vegetariana, para Nívea, foi gradual. “Fiz uma capacitação profissional em Nutrição Vegetariana, e além de só ver benéficos tive certeza absoluta de estar no caminho certo! Comecei em 2016 com a campanha mundial Segunda Sem Carne. A campanha se propõe a conscientizar as pessoas sobre os impactos que o uso de produtos de origem animal para alimentação tem sobre os animais, a sociedade, a saúde humana e o planeta, convidando-as a descobrir novos sabores ao substituir a proteína animal pela vegetal pelo menos uma vez por semana. Comecei a me sentir tão bem que passei a fazer mais dias por semana. A carne bovina e o frango foram fáceis de eliminar. Fiquei ainda um ano consumindo peixe. Depois tive mais um ano consumindo ovos (em preparações, como bolo, por exemplo, quando estava fora de casa). O último a ser abandonado foi o queijo (acredito também que seja o mais difícil para a maioria das pessoas); quanto mais eu estudava, mais via a necessidade de eliminá-lo de vez. Hoje em dia temos muitas opções veganas de qualidade no mercado. E desde março de 2019, finalmente, tornei-me vegetariana estrita”, diz Nívea.
A nutricionista Daniele Scarpa, que também passou pela mudança de onívora para vegetariana há dois anos, deixa uma dica para quem quer fazer a transformação dietética: “Leia mais sobre o assunto e não tenha medo de mudar! Vegetarianismo é mais que alimentação, é um estilo de vida que agrega muitos benefícios, principalmente para a saúde e para o planeta.”
Bruna Genaro é Jornalista
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